Os dois espelhos
Um dos objetos cujo uso está mais vulgarizado na sociedade é, sem dúvida, o espelho.
Sua invenção data do século XIII, quando então se usava forrar a parte posterior do vidro com lâminas de metal.
Desde essa maravilhosa descoberta, o homem pode mirar-se à vontade, vendo sua imagem fielmente refletida na prancha de vidro com molduras elegantes.
Não há lar, por mais modesto que seja, onde não se encontre esse utensílio tido como indispensável.
Nos palácios mais suntuosos, como nos casebres mais humildes, lá está o espelho.
Ninguém lhe dispensa o uso: do mais pobre ao mais rico, do sábio ao ignorante. Ambos os sexos o consideram como rigorosamente necessário.
Sair à rua sem consultá-lo no alinho da gravata, no arranjo do cabelo, na disposição geral da vestimenta, considera-se falta imperdoável.
Diz-se que é mais fácil "passar o camelo pelo fundo da agulha", do que passar uma mulher diante de um espelho, sem dar um toque no cabelo, na roupa, enfim, uma inspeção geral na aparência.
O espelho é tido em tal estima, que além de não dispensá-lo em todos os cômodos da casa, alguns levam-no consigo em bolsas ou carteiras elegantes, a fim de consultá-lo a cada instante, a todos os momentos.
No entanto, há outro espelho que não é fruto da criatividade humana, mas constitui a mais preciosa das faculdades com que Deus dotou todos os seus filhos: é a consciência.
Assim como o espelho reflete o nosso exterior, a consciência reflete o nosso interior.
Vemos através dela a imagem perfeita de nossa alma, como no espelho a imagem real do nosso rosto.
O espelho dá conta da nossa fisionomia, de nosso semblante, de nossa forma.
A consciência nos revela o espírito, o caráter, os sentimentos mais íntimos e ocultos.
Ambos - espelho e consciência - se prestam ao mesmo fim: compor as linhas da harmonia, reparar os senões, corrigir, embelezar.
O espelho serve ao corpo, a consciência ao espírito.
Ambos têm a mesma função: refletir, com justiça, o aspecto, a figura exata do nosso físico e do nosso moral.
Ora, assim sendo, não será estranho estimarmos tanto o espelho de vidro, que reflete o corpo perecível, deixando de lado a consciência, essa faculdade maravilhosa que reproduz a Divina Imagem a cuja semelhança fomos criados?
Não será loucura zelarmos tanto pelo corpo que perece, esquecendo o espírito que permanece?
Se não saímos à rua com os cabelos em desalinho, com a roupa amarrotada, com os sapatos sem brilho, como ousamos expor aos olhos dos benfeitores maiores que nos observam, a alma esfarrapada, envolta em míseros trapos?
Se obedecemos aos reflexos do espelho, corrigindo todas as falhas que ele acusa em nosso exterior, porque não fazer o mesmo atendendo à consciência, sempre que ela acuse, intimamente, as falhas do nosso interior?
É imperioso corrigirmos essa falta de cuidados que nos leva a só buscar o belo exterior, descuidando o belo interior.
A beleza é como a saúde: vem de dentro para fora.
Dessa forma, sem deixarmos de nos olhar por fora, olhemo-nos também por dentro. Façamos uso dos dois espelhos.
Você sabia?
Que Maria, mãe de Jesus, era possuidora de peregrina beleza?
Se no interior era tudo harmonia, doçura, encanto e bondade, o exterior só poderia refletir tais dotes e virtudes em traços de beleza.
(Baseado no livro Em Torno do Mestre, cap. "Os dois espelhos")