Saudades de um menino
Ah, minha mãe, quanta saudade! Você partiu há 53 anos e ainda me vejo menino, chorando a ausência da sua presença.
Eu não tinha mais que 4 anos, quando você partiu, deixando meu pai na viuvez e eu na orfandade.
Sua ausência desencadeou profundas alterações em minha vida.
Não foi somente o aconchego de mãe que me faltou. Também deixei a casa que me era lar, para ser atendido por minha avó e minha madrinha.
Tudo mudou. O infarto que te frustrou a vida física, frustrou-me os sonhos de menino despreocupado.
Quando todos os colegas de classe reclamavam de suas mães, eu somente tinha a reclamar da ausência de mãe.
Busquei-te em muitas mães, tentando encontrar alguém que me pudesse dar o carinho maternal que eu idealizava.
Nessa, que me recebia no lar, no final de semana, junto ao seu próprio filho, percebia que havia disciplina em demasia.
Eu desejava comer ovos, muitos ovos, pois, menino, adorava o sabor das gemas moles.
Entretanto, naquela casa havia uma norma: ninguém, ali, podia comer mais do que um.
Um somente. Não porque não os houvesse ou fossem escassos, mas porque a senhora tinha medo de um tal de colesterol.
Eu não podia entender, mas sabia que aquela não poderia ser minha mãe. Porque minha mãe deixaria eu satisfazer a vontade de menino guloso.
Noutra, que me acolheu em alegre feriado, pensei encontrar a mãe anelada.
Contudo, logo descobri, quando desejei ter tempo livre para o descanso, que ali havia uma outra norma: trabalho.
E trabalho pesado: capinar todo o terreno. E, minha memória de menino recorda que era enorme, quase interminável.
Com certeza, minha mãe me deixaria descansar, gozar o lazer e ainda me prenderia em seus braços um tempo longo.
Ah, minha mãe, quanta saudade nos dias de festas da escola, quando compareciam todas as mães, menos a minha; nas vitórias escolares, nas recepções de menção honrosa, que outras mães comemoravam, aplaudindo seus filhos, menos a minha; nas festividades do Dia das mães, quando todos confeccionavam cartões, mimos para as suas mães e podiam surpreendê-las, menos eu.
Como desejei teus abraços. Quantas noites chorei a tua ausência.
Aprendi que a vida continuava, para além do portal da morte. Mas, se era assim, por que você não vinha me abraçar, rompendo a barreira entre o mundo invisível e o material?
Sim, tive o carinho da avó, que me acalentou. Mas eu queria um colo de mãe.
Vovó fazia o que podia, no cansaço dos seus anos e nas condições de que dispunha.
Eu desejava comer pão com manteiga e queijo. Vovó me dizia que devia escolher: ou uma ou outro.
E eu pensava: Se fosse minha mãe, eu poderia comer os dois.
Idealizei-te sempre mais bela e mais terna do que minhas próprias lembranças apontavam.
Esperei-te a cada dia e em todas as noites do meu crescer sozinho, vencendo os anos da infância, da adolescência, da juventude.
Então, passados 53 anos, tu me surges, atestando da vida que não morre e do afeto que não fenece.
Surges bela, culta e sábia para te servires de mim como vaso mediúnico, filtrando-te as mensagens.
E o que escreves, por minhas mãos, para mim, teu filho e para os filhos de todas as mães, luariza a dor da minha saudade sempre presente.
Então agradeço a Deus por tua ausência no ontem, que me fez fortaleza moral; e pela presença junto a mim, nas horas do hoje, quando traças roteiro de luz, que verte de minhas mãos.
Obrigado, Deus, por minha mãe.
Redação do Momento Espírita, a partir de fatos da vida do orador espírita Raul Teixeira.