Rio do esquecimento
O célebre filósofo Platão narra que um pastor de nome "Er", da região da Panfília, morreu e foi levado para o reino dos mortos.
Ali chegando, encontra as almas dos heróis gregos, de governantes, de artistas, de seus antepassados e amigos.
Ali, as almas contemplam a verdade e possuem o conhecimento verdadeiro.
Er fica sabendo que todas as almas renascem em outras vidas, para se purificarem de seus erros passados, até que não precisem voltar à Terra, permanecendo na eternidade.
Antes de voltar ao nosso mundo, as almas podem escolher a nova vida que terão.
Algumas escolhem a vida de rei, outras a de guerreiro, outras a de comerciante rico, outras a de artista, outras a de sábio.
No caminho de retorno à Terra, as almas atravessam uma grande planície por onde corre um rio, o Lethé - que em grego quer dizer esquecimento - e bebem suas águas.
As que bebem muito, esquecem toda a verdade que contemplaram. As que bebem pouco, quase não se esquecem do que conheceram.
As que escolheram vida de rei, de guerreiro ou de comerciante rico, são as que mais bebem das águas do esquecimento.
As que escolheram a sabedoria são as que menos bebem.
Assim, as primeiras dificilmente se lembrarão, na nova vida, da verdade que conheceram, enquanto as outras serão capazes de lembrar e ter sabedoria, usando a razão.
A alegoria platônica nos dá margem para muitas reflexões.
Primeiramente, percebemos claramente a consciência do filósofo sobre a preexistência da alma, e sua conseqüente imortalidade.
Em alguns outros textos do pensador vamos encontrar esta verdade clara, conhecida através da razão.
Vemos também aqui retratado muito bem o processo do esquecimento do passado.
A metáfora platônica se encaixa com perfeição no pensamento espírita, quando nos fala que passamos por este processo de esquecimento do passado, antes de entrarmos novamente na carne, antes de reencarnarmos.
Allan Kardec, ao estudar com os Espíritos este tema, recebe o seguinte comentário:
"Não temos, é certo, durante a vida corpórea, lembrança exata do que fomos e do que fizemos em anteriores existências.
Mas temos de tudo isso a intuição, sendo as nossas tendências instintivas uma reminiscência do passado."
Vemos, assim, que temos a intuição dos objetivos que nos trazem aqui.
Porém, o conto platônico deixa claro que são as atitudes dos homens na Terra, seus valores, seus objetivos, seus desejos que os fazem mais ou menos acessíveis às verdades eternas.
Aqueles que escolhem atividades que lhes incitam à vida sensual, ao materialismo, acabam por perder este contato com a verdadeira vida, a vida do Espírito.
Conhecer, diz Platão, é recordar a verdade que já existe em nós.
É despertar a razão para que ela se exerça por si mesma.
Toda vez que nos dedicamos a trabalhar o Espírito, que nos envolvemos em atividades que nos fazem crescer moralmente, estamos permitindo o acesso às verdades maiores do Universo.
Amar e aprender são ações diárias fundamentais.
Busquemos na intimidade de nossos corações, e com o auxílio dos amigos espirituais, os objetivos específicos que trouxemos para esta vida nova.
Busquemos a verdade...
Redação do Momento Espírita com base em trecho da obra República, de Platão, livro X, de 614b a 621b e no item 393, de O livro dos espíritos, de Allan Kardec, ed. Feb.