Livraria 18 de Abril

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Um coração solidário

   

O progresso tecnológico trouxe para a humanidade uma série de benefícios, isso é indiscutível.

Por um lado isso é bom, mas por outro, deixa as pessoas menos sensíveis, menos humanas, mais indiferentes.

As instituições seguiram pelo mesmo caminho, e foram se tornando frias, embora eficientes.

Mas esse problema não passou despercebido aos olhos do jovem psicólogo inglês, Tom Crabtree.

Ele estava sempre disposto a entender quando as pessoas precisavam dele para dividir suas dores. E compreendia também que nem sempre falar é a melhor solução.

Conta ele que, logo que iniciou sua carreira profissional, numa clínica de orientação para crianças, no noroeste da Inglaterra, certo adolescente chegou para vê-lo.

Ele foi até à recepção e percebeu o rapaz que andava de um lado para o outro, agitado e assustado.

Levou-o até sua sala e lhe indicou a cadeira do outro lado da mesa.

Era fim do outono. A árvore em frente à janela não tinha folhas.

Sente-se disse ao jovem.

David vestia uma capa preta impermeável, abotoada até o pescoço.

O rosto estava pálido. Torcia as mãos com nervosismo e olhava fixamente para os pés.

Seu pai falecera quando era bebê. Foi criado pela mãe e pelo avô. Mas no ano anterior, quando David tinha 13 anos, o avô faleceu e a mãe morreu num acidente de carro.

Agora, com 14 anos, estava em tratamento.

O diretor da escola o havia encaminhado, com um bilhete: "esse garoto encontra-se muito triste e deprimido, o que é bastante compreensível. No entanto, ele se recusa a falar com quem quer que seja. Estou muito preocupado. Você pode ajudar?"

O jovem psicólogo olhou para o garoto. Como poderia ajudá-lo? Há tragédias humanas para as quais a psicologia não tem respostas, para as quais não há palavras.

Às vezes, ouvir com toda a atenção e sentimento é o mais apropriado, pensou.

Nas duas primeiras visitas David não falou. Afundado na cadeira, só levantava os olhos para fixá-los nos desenhos infantis que decoravam a parede.

Quando David saía do consultório, após a segunda sessão, tom colocou a mão sobre o seu ombro. O garoto parou. Não se retraiu, mas, ainda assim, não olhou para o médico.

Venha na próxima semana, se quiser, disse tom. Fez uma pausa e acrescentou: "sei que é doloroso."

David veio e tom sugeriu que jogassem xadrez. O rapaz fez que sim com a cabeça.

Os jogos de xadrez continuaram todas as quartas-feiras à tarde, em silêncio total e sem contato visual da parte do garoto.

Embora não seja fácil trapacear no xadrez, tom sempre fazia de tudo para que David ganhasse uma ou duas vezes.

O menino chegava cedo, procurava o tabuleiro e as peças na estante. Começava a arrumá-las antes mesmo que tom sentasse. Parecia estar gostando da idéia. Mas por que nunca me olhava? Pensava tom.

Talvez ele precise simplesmente de alguém com quem dividir a dor. Talvez sinta que respeito a dor dele. Concluiu tom.

Numa tarde, quando o inverno dava lugar à primavera, David tirou a capa e a colocou nas costas da cadeira.

Enquanto arrumavam as peças do jogo de xadrez, seu rosto parecia mais animado, os movimentos mais vivos.

Alguns meses depois, quando flores já recobriam a árvore lá fora, tom olhava David enquanto ele se inclinava sobre o tabuleiro. Pensava que pouco se sabe sobre terapia, sobre os misteriosos processos de cura.

De repente, o garoto levantou os olhos e disse: "sua vez."

Depois disso, David começou a falar. Fez amigos na escola e entrou para o clube de ciclismo.

Um dia chegou um cartão postal de David que dizia: "estou passeando de bicicleta com amigos e me divertindo muito."

Tempos depois tom recebeu uma carta em que David falava que pretendia ir para a universidade.

Tom ofereceu algo a David, mas certamente aprendeu como o tempo pode tornar possível superar o que parece dolorosamente insuperável.

Aprendeu, ainda, como estar lá quando alguém precisa dele. E que se pode entrar em contato com outro ser humano sem usar palavras. Só é preciso um abraço, um toque gentil, um ouvido atento, um coração solidário.

Equipe de Redação do Momento Espírita, com base no texto alguém para ouvir, publicado na Revista Seleções do Reader’s Digest, de março1998.