É comum os hospitais, na semana que antecede o Natal, tentar mandar para casa o maior número possível de pacientes. No entanto, alguns sempre necessitam permanecer.
Esses são atendidos pelos médicos que se oferecem como voluntários para trabalhar na véspera e dia de Natal ou que obedecem à escala pré-fixada pela instituição hospitalar.
Naquele Natal, Rachel estava um tanto chateada. Por ser solteira, fora escalada para trabalhar naqueles dias, permitindo assim que seus colegas ficassem com seus cônjuges, filhos ou pais.
No dia de Natal, vários grupos de pessoas apareceram nas enfermarias e distribuíram lembranças aos pacientes. Contudo, ao cair da noite, eles se encontravam em suas casas.
O imenso hospital ficou em silêncio. Muitos leitos vazios. As poucas lâmpadas acesas nas mesas de cabeceira pareciam ilhas de luz na escuridão.
Rachel ia de um paciente a outro verificando o soro, indagando sobre sintomas, oferecendo medicamentos para a dor ou para dormir.
O Natal é uma época de muitas lembranças e vários dos pacientes desejavam falar sobre elas. Ela ouviu, naquela noite, muitas histórias.
Tristes umas, emocionantes outras. Até que chegou ao leito de Petey. Era um homem velho, a respeito do qual ninguém tinha bem certeza da idade.
Um andarilho, um desamparado. Nada mais trazia, quando chegara ao hospital, que a muda de roupa que o vestia.
Portador de enfisema crônico, os médicos o mantinham hospitalizado, evitando que ele retornasse ao frio intenso das ruas.
Era tímido e gentil. Alegrava-se por qualquer coisa e se mostrava agradecido pelos cuidados que recebia. Ele sorriu, ao vê-la.
Estendeu a mão, abrindo a gaveta da velha mesa de cabeceira, onde estavam guardados seus tesouros: um canivete, uma escova de dentes, uma lâmina de barbear, um pente, algumas moedas e duas belas laranjas, que ganhara naquela tarde.
Ele tomou de uma delas, estendeu para Rachel:
Dona doutora, feliz Natal.
Seus olhos demonstravam o enorme prazer que ele estava sentindo em ofertar-lhe a fruta. E, de repente, muitas lembranças acudiram à memória da médica.
Recordou de sua infância, dos Natais em que sentia essa mesma alegria em dar presentes. Algo seu. Especialmente preparado para a data, para alguém.
Tudo parecia tão distante. E tão perto. Lembrava-se de que tinha aprendido muitas coisas desde então, mas que também esquecera outras tantas.
Há muitos anos, seu avô lhe ensinara aquela mesma maneira de viver que Petey mostrava agora. Entretanto, ao longo dos seus anos de formação acadêmica, a voz de seu avô acabara sendo sufocada pelas vozes de seus familiares, de seus colegas, de seus professores.
Ela estendeu os braços e recolheu o presente, extremamente agradecida.
Feliz Natal, Petey. - disse comovida, os olhos cheios de lágrimas.
* * *
É preciso muito tempo até que nos conscientizemos de que os bens preciosos que temos para dar não foram aprendidos nos livros.
Também que a sabedoria de viver bem não é conferida aos alunos mais destacados nos estudos avançados.
Os verdadeiros professores andam por toda parte.
Basta saber colher as lições que sua sabedoria nos transmite, nos gestos desprendidos, simples, despojados.
Um gesto simples como estender a mão, sorrir, desejar feliz Natal.
Repartir o presente recebido, num gesto espontâneo de profunda gratidão.
Redação do Momento Espírita, com base no cap. O sábio, do livro As bênçãos do meu avô, de Rachel Naomi Remen, ed. Sextante.