Pedro mora próximo à Rua 23 de Maio há 15 anos.
Nos últimos tempos, está à beira de um ataque de nervos, pois não consegue mais suportar o barulho ininterrupto dos carros.
Ele tem algumas escolhas: trabalhar pelo fechamento da avenida - ao menos à noite;
pela modificação da legislação de poluição sonora ou uso de automóveis;
ou ainda, mudar-se.
É importante, porém, comentar também sobre seu vizinho, Bernardo. Bernardo vive ao lado de Pedro, também de frente para a Rua 23 de Maio.
Perguntado a ele o que achava de viver naquele apartamento, a resposta foi surpreendente.
Revelou que adora viver ali. Ele acha linda a vista que tem do apartamento. Disse que pode ver o maravilhoso nascer do sol de sua janela.
Adora observar a cidade. Perceber os habitantes caminhando ou em seus carros, e os resistentes passarinhos que aprenderam a viver com a civilização.
Numa conversa entre os dois, Pedro não agüentou, e questionou: Mas e o barulho? Você não se incomoda com toda esta barulheira que não tem fim?!
Bernardo respondeu: Olhe, fico tão concentrado nos meus afazeres, que eu nem percebo o barulho.
Pedro não podia acreditar. Achou, por um instante, que o vizinho tinha problemas auditivos, e falando bem baixo, tentou descobrir se ele era surdo.
Mas não era. Ouvia muito bem.
Como explicar isso? Ele ouvia muito bem e não se incomodava com o barulho?
E à noite? - perguntou ainda Pedro, indignado - Como você faz para dormir?
Vou ser bem sincero, caro amigo - respondeu Bernardo - à noite, ao deitar, sinto-me tão feliz com o dia vivido e com as coisas que tenho feito, que também não me incomodo com barulho algum.
Pedro pôde ver sinceridade e pureza nos olhos e nas palavras do contérmino morador.
Naquele momento ele percebeu a razão de se incomodar tanto com aquelas coisas: ele não era feliz com o dia que tinha, e nem com as coisas que fazia.
* * *
Um outro personagem também ilustra bem a reflexão proposta:
Trata-se de Daniel. Jovem, de família abastada, casado, e morador de um condomínio fechado.
Daniel foi presenteado por seus pais com uma casa no litoral. Ficou, a princípio, muito animado com a mudança.
Afinal, haveria lugar mais tranqüilo e pacífico do que próximo ao mar?
Os dias passaram, e ele percebeu, pouco a pouco, que não seria capaz de suportar aquele estilo de vida.
Aquele barulho constante de ondas quebrando;
gaivotas gritando logo cedo;
aquela umidade de maresia;
a areia que insistia em acompanhá-lo em seu carro e em sua casa.
Daniel entrou em crise. Variava entre estados de irritação e depressão. Começou a tomar remédios, e decidiu: iria se mudar dali.
* * *
Onde mora a paz?
Será que a paz está na ausência de ruídos externos?
Será que para dormir em paz precisamos apenas de silêncio?
A paz tem moradia em nosso íntimo, e enquanto não formos felizes com nossos dias, com as coisas que fazemos, não a encontraremos.
Não basta mudar deste para aquele local. Faz-se necessário mudar-se na intimidade.
Deixar para trás o lar das atividades fúteis, das conquistas passageiras, e fixar morada na casinha aconchegante da alegria de viver, do amor à família, do prazer de servir.
Redação do Momento Espírita com base em matéria publicada na Revista Vida e Yoga, nº 20, ed. Online.