Dentre os ensinamentos de Jesus, alguns há que, à primeira vista causam estranheza.
Se não examinados com vagar, podem mesmo soar como contra-senso.
Dentre esses, a advertência a respeito de dar a outra face quando alguém nos agride, é um dos que merece detido exame.
Se levado ao pé da letra, atenta inclusive contra a própria lei de conservação, pois estaríamos nos entregando de forma passiva aos violentos.
Jesus, no entanto, como modelo e guia, de forma alguma falaria ou ensinaria algo indevido.
Ele mesmo deu mostras, ante a força da violência com que foi tratado pelos homens, como deve ser o correto comportamento.
Ante o sacerdote Anás, com as mãos amarradas, ao responder a uma indagação, recebe de um soldado violenta bofetada.
O Rei Solar, sereno sempre, argumenta com vigor a atitude. Se falei mal, mostra o que eu disse de mal. Mas, se falei bem, por que me feres?
Atesta assim o direito de defesa, da boa defesa, de não ceder terreno aos maus.
O que quererá pois dizer, dar a outra face?
Os que vivemos no Mundo, transitamos num mundo feito de coisas, de exterioridades.
Mas, cada um de nós tem o seu mundo interno, íntimo, de seus próprios valores.
Dar a outra face significa exatamente ofertar esse mundo diferente ao mundo do comum dos homens.
Assim, defender seus direitos, mas cumprir seus deveres com alegria. E um pouco mais.
Na repartição pública, por exemplo, ao soar a hora de encerrar o expediente, é não parar de imediato o que se está fazendo e sair às pressas.
É concluir com vagar, mesmo que isso leve alguns minutos.
Isso significa fazer algo mais. Ofertar a outra face, a dos valores intrínsecos, ensinando a um mundo de aproveitadores, algo inusitado.
Se estamos atendendo um cliente e soa a hora de concluir nosso horário de trabalho, atendê-lo até o fim, verificando tudo de que ele precisa.
Isso nos custará alguns minutos a mais, sim. Mas, com certeza, não estragará nosso dia. Pelo contrário, nos dará a satisfação de ter realizado bem nossa tarefa.
Ninguém pensará, com certeza, em estando a aplicar uma injeção em um doente, e soar a hora de bater o ponto, largar a aplicação a meio e partir.
Completar a tarefa, verificar se está tudo bem com o enfermo, depois, liberar-se da atividade.
Se estamos digitando uma página, atendendo um telefonema, recepcionando alguém, a ninguém ocorrerá parar no meio, só porque seu horário de trabalho já acabou.
E assim em tudo em nossa vida. Se somos alguém que cuida de uma criança e nos compete banhá-la, alimentá-la, nosso dever é realizar isso.
Ofertar a outra face é nos preocuparmos em verificar se a temperatura da água do banho está adequada, se o alimento não está quente em demasia.
E o tempo que estivermos com ela, lhe dar atenção, brincar com ela, ouvi-la.
Se nosso compromisso é com idoso, dar a outra face é não somente fazer o essencial, mas se preocupar se ele está confortável, se algo mais pode ser feito.
Afinal, todos os que trabalhamos naturalmente o fazemos pensando no salário que nos beneficia. Contudo, não só por isso.
Trabalha-se porque se gosta de fazer aquilo. Por isso, estamos dirigindo ônibus e não em um escritório; estamos dando aula e não sendo vendedores.
Escolhemos o que desejamos fazer, porque aquilo nos faz bem.
Pensemos pois que será bem fácil dar um pouco mais, a outra face, a do nosso interior, cheio de vontade de tornar este Mundo um lugar bem melhor para se viver.
Redação do Momento Espírita, a partir da fala de Raul Teixeira, no programa televisivo da FEP, Vida e Valores, de nº 25.