Livraria 18 de Abril

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Por que matar seu filho?

   

Os três funcionários daquela seção já não eram apenas colegas de trabalho, eram bons amigos.

A senhora que ocupava o cargo de chefia era uma espécie de mãe para os dois rapazes que dividiam com ela as atividades diárias.

O horário de expediente não era próprio para intensificar a amizade, e o tempo do cafezinho era curto para travar uma conversa mais demorada. Por essa razão o moço Ronaldo, já casado, convidou o amigo para visitar sua casa.

Raul, o jovem solteiro, passou a frequentar o lar do colega e os laços do afeto se estreitaram também com sua jovem esposa.

Passado algum tempo, o casal comemorava o nascimento da primeira filha. A alegria tomou conta daquele lar com a chegada da pequena Ana Cláudia.

O tempo passou e, um dia, Ronaldo chegou ao trabalho meio cabisbaixo, o que não passou despercebido ao amigo, sempre atencioso e sensível.

O que está acontecendo, meu amigo? Perguntou Raul.

Ronaldo disse-lhe que algo o estava preocupando muito, mas agora não era o momento para falar no assunto.

Naquele dia ele convidou Raul para tomar o cafezinho, alguns minutos antes. Precisava desabafar.

Mal se sentaram à mesa e Ronaldo disse ao amigo: Você sabe que minha filha acaba de fazer dez meses e minha esposa está grávida outra vez?

Não deu tempo para o amigo se manifestar e completou, aborrecido: Mas eu não vou aceitar esse filho. Já marcamos o aborto para amanhã cedo. Vamos tirar a criança.

Raul sentiu como se o chão lhe faltasse sob os pés. Como cristão, não conseguia entender como um pai e uma mãe têm coragem de cometer um crime desses.

Ronaldo continuou suas justificativas dizendo: Não dá para aceitar um filho logo em seguida do outro. Nossa menina está com apenas 10 meses...

Raul agora entendera melhor as razões do amigo e perguntou com sincera vontade de obter uma resposta séria: Mas, e por que você deseja matar seu filho?

A pergunta caiu como uma bomba no coração de Ronaldo. Ele ainda não havia pensado na gravidade da situação.

Pensara em abortamento, mas não no que ele representa: um homicídio.

Raul ainda lhe fez mais uma pergunta: E se sua filha vier a morrer, como ficarão as coisas?

Ronaldo ficou desconcertado, abaixou a cabeça, terminou de tomar seu café e voltaram, ambos, para o trabalho.

Raul tinha atividades no seu templo religioso e como a reencarnação é parte das suas convicções, rogou com fervor a Deus para que salvasse aquela criança.

No dia imediato, os dois chegaram à seção, no período da tarde, pois trabalhavam só meio expediente, mas Raul não teve coragem de perguntar nada ao amigo. Temia pela resposta.

Mas Ronaldo tomou a iniciativa, dizendo: Minha esposa e eu não conseguimos dormir esta noite...

O coração do amigo bateu acelerado... mas não falou nada.

Logo, Ronaldo concluiu: Resolvemos deixar que venha mais um....

Raul explodiu em lágrimas de profunda alegria e alguns meses depois estava na festa de um ano de Ana Paula, a segunda filha do casal, contemplando, feliz, o paizão exibindo as duas meninas, uma em cada braço.

O tempo passou. Um dia, após retornar de breve viagem, Raul não encontrou o amigo na repartição, e quis saber o que havia acontecido.

A chefe lhe falou: Então você ainda não sabe?

Não, me diga o que houve, por favor. E a notícia lhe abalou novamente a estrutura ao ouvir a resposta:

A filha mais velha do Ronaldo morreu.

Raul dirigiu-se imediatamente para o lar dos amigos para encontrar o casal em profunda tristeza.

Ronaldo, que chorava discretamente com a segunda filha adormecida em seu colo, disse com profunda dor ao amigo:

Quero lhe agradecer por ter salvado minha vida. Sim, porque se você não tivesse evitado que eu matasse Ana Paula, a essa hora eu já teria matado a mim, movido pelo remorso e pelo desespero.

Os amigos se abraçaram e choraram juntos por algum tempo. Mas Raul não esqueceu de agradecer a Deus por ter atendido as suas preces, poupando a vida daquela criança, que agora dormia, serena, no colo do pai, que um dia havia pensado em matá-la, no ventre da mãe.

Redação do Momento Espírita, com base em história contada por Raul Teixeira em palestra na Comunhão Espírita Cristã de Curitiba-PR, em 11.04.2002.